sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Atitude profissional é fundamental para comercialização de produtos artesanais



Tânia Machado, fundadora do projeto Mãos de Minas (uma central de associações e cooperativas no Estado de Minas Gerais com mais de 7 mil associados), mostra que para obter sucesso na comercialização de produtos artesanais é fundamental que o artesão aja com profissionalismo e esteja atento a todo o processo de produção, cumpra a legislação vigente, e se comporte com responsabilidade, compromisso e respeito ao consumidor. Tânia vê perspectivas de crescimento do setor de artesanato brasileiro, que hoje conta com mais de 8,5 milhões de artesãos, mas adverte que, para isso, é preciso que os profissionais se organizem numa entidade nacional e que estabeleçam maior interlocução com o setor público.



Mobilizadores COEP - A que aspectos o artesão tem de estar atento para assegurar boas condições de comercialização a seus produtos?


R. Já se foi o tempo que artesanato era considerado projeto social. Hoje, o produto artesanal está inserido no mercado consumidor e concorre inclusive com produtos oriundos de outros países.


É de suma importância que o artesão atente para questões como: preço justo (tanto para o artesão, quanto para o comprador); Código de Defesa do Consumidor (produtos que não façam mal à saúde, que não soltem farpas, que não usem tintas tóxicas etc); embalagem adequada e que não agrida ao meio ambiente; etc. Para isto, ele deve participar de treinamentos que o ensine a atuar com competência nas áreas citadas.



Mobilizadores COEP - Quais as principais dificuldades enfrentadas para levar a produção artesanal ao mercado?


R. Quando eu pergunto a um artesão qual é o seu maior problema, quase que 100% das respostas são: COMERCIALIZAÇÃO. Então eu respondo: comercialização é solução e não problema. O que está ocorrendo é que você não está conseguindo atingir a solução, que é comercializar seu produto. Então pense bem:



Como você vende?

Você tem Nota Fiscal?

Como você embala?

Você tem caixas adequadas?

Você dá prazo para o cliente atacadista? Ou exige que ele pague adiantado ou à vista?

Qual é a diferença de preço de seu produto no varejo e no atacado?

Você sabia que o lojista tem que dobrar o preço de custo de um produto para vender?

Você sabia que este valor que acrescenta é para cobrir os custos do lojista com aluguel, vendedores, divulgação, embalagem e outros?



São questões que o artesão tem que pensar. A Nota Fiscal é uma garantia, inclusive dele, pois é o documento que lhe permite cobrar do lojista no caso de um atraso de pagamento.


Agora tudo isto tem que ser feito com planejamento. Você não tem que dar um desconto de 50% a 60% para o lojista só porque ele está pedindo. Você tem que ver se o seu custo comporta isto. Se os lojistas pedem prazo, você tem que ver se tem capital para segurar este prazo, se não, tem que buscar uma fonte de financiamento segura e incluir o custo do financiamento no produto. Mas isto se faz com treinamento, conhecimento dos processos, e entendimento das duas partes: a sua e a do comprador.



Mobilizadores COEP - Quais são as principais barreiras à comercialização de produtos artesanais perecíveis como alimentos? Como solucionar essas dificuldades?


R. Alimento é coisa muito séria! A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem uma legislação nacional, mas o estado pode fazer uma outra legislação que sobrepõe a legislação nacional e vale para dentro de seu território, e o município também pode fazer uma legislação que sobrepõe a nacional e a estadual e vale para sua área territorial. Assim fizemos em Minas. Criamos uma legislação, o Decreto 44.133, que valia para Belo horizonte e depois criamos outra que vale para Minas Gerais. Agora, o importante não é a legislação simplesmente. Somente conseguimos isto porque respeitamos o consumidor no que se refere à manipulação dos alimentos, higiene, e etiquetagem dos produtos informando seus componentes.


Para localidades onde exista um grande número de produtores com a mesma matéria-prima, a solução é a criação de uma cooperativa onde a finalização dos produtos siga a legislação da Anvisa Nacional. Assim, os produtos, fabricados dentro das boas práticas, poderão ser comercializados em qualquer local do Brasil e inclusive exportados.



Mobilizadores COEP - A formação de associações e cooperativas é a melhor alternativa para fortalecer os produtores artesanais? Por quê? Que outras alternativas podem ser consideradas?


R. A criação de uma associação ou cooperativa não deve ser um ato isolado. As pessoas para fazerem isto devem estar bem conscientes da palavra COOPERAR. A maioria das associações e cooperativas deste país não funciona, pois elas tentam que a produção seja em conjunto. Tratando-se de artesãos, quando falamos de criatividade e arte, cada um tem a sua e muitas vezes não quer compartilhar com o outro a sua criação. Assim, os artesãos têm que se juntar e ver quais seriam aqueles serviços ou trabalhos que poderiam ser feitos juntos e fazer da associação um local de prestação de serviços aos seus associados, porque quando feito em bloco levará a uma competitividade maior.



Mobilizadores COEP - A comercialização via internet é uma alternativa viável? O que é necessário para que seja bem sucedida?


R. Compromisso. Um bom site de venda e cobrança. Caso não tenha condições de fazer entregas via internet, o que demanda embalagem, uma empresa de entrega confiável e um convênio de recebimento também confiável, é melhor usar a internet somente para a divulgação dos produtos.


A foto na internet tem que ser a melhor possível (não precisa contratar um fotógrafo profissional, mas o produto precisa estar bem colocado, o fundo da foto deve ser de preferência preto), têm que ser especificados a metragem e as opções de cores (com foto das amostras) e de tamanho.


O compromisso é fundamental. Se não tem o produto no momento, esta informação deve ser dada em momento real, principalmente se o pagamento for imediato. Se disse que entrega em 10 dias, tem que ser 10 dias...não dá pra ser 11 ou 12...


O produto enviado tem que ser exatamente o da foto (lógico que quando se trata de produtos artesanais existem, às vezes, pequenas diferenças e esta informação deve ser colocada no site).


Agora, existe um monte de serviços de venda pela internet que não precisa de um provedor ou um design gráfico para desenvolver o site.


Mobilizadores COEP - Qual a dimensão do setor artesanal brasileiro? Ainda há possibilidade para o crescimento desse setor? Que políticas públicas seriam necessárias para isso?

R. Segundo o IBGE, no Brasil existem 8,5 milhões de artesãos. Eu, pessoalmente, acredito que, se considerarmos também os produtores artesanais (pessoas que produzem manualmente qualquer coisa), é muito mais do que isto. Evidente que o setor pode crescer mais, pois o público consumidor está sempre procurando algo de diferente e o artesanato tem este potencial de estar sempre inovando, sem lotar o mercado com um produto. Agora, realmente faltam políticas, mas acredito que muito disto seja culpa do artesão, pois como não existe uma organização nacional (nem mesmo estadual) de representatividade do setor, não existe interlocução com o setor público.



Mobilizadores COEP - O que é e como surgiu o Programa de Certificação da Produção Artesanal (PCPA)? Os artesãos de todo o país podem participar? E qual o objetivo do selo de qualidade do Instituto Qualidade Sustentável (IQS)?


R. Quando começamos o projeto de Exportação tínhamos que mostrar um diferencial dos produtos dos nossos associados em relação aos oriundos da África e Ásia. Queríamos mostrar que nossos produtos não usam mão-de-obra infantil nem escrava, que nossos artesãos recebem um preço justo pelo produto, assim como seus ajudantes, e que as matérias-primas utilizadas não degradam o meio ambiente. Assim, decidimos criar um Selo que garantisse ao comprador estes critérios que são base do é mundialmente conhecido como Comércio Justo.


Então, para que o artesão recebesse (ou não) o Selo, ele precisaria passar por uma série de intervenções que mostraria claramente o seu processo produtivo. Daí, criamos a ferramenta CADEIA PRODUTIVA DO ARTESANATO, onde o artesão pegando produto por produto, levanta os dados do antes (como é o local de produção, qual o ferramental que usa, onde busca sua matéria-prima, qual a mão-de-obra que necessita), o durante (descrição minuciosa de cada fase da produção, envolvendo matéria-prima, mão-de-obra, local) e o depois (o produto está pronto: o que fazer com ele? Como estocar? Como embalar? Como vender?). Fazendo o levantamento da cadeia produtiva, o artesão levanta também todos os pontos negativos e daí sai um Plano de Ação, e ele recebe um consultor que o ajuda a colocá-lo em prática.


Durante o processo, aplicamos também os 5S do Artesanato, que está presente em qualquer manual de Qualidade Total:

SEIRI Senso de seleção e utilização
SEITON Senso de ordenação
SEISOU Senso de limpeza
SEIKETSU Senso de saúde
SHITSUKE Senso de autodisciplina

Por que uma oficina artesanal tem que ser bagunçada? Por que tem que ser suja? Por que o material tem que ficar jogado e não pode ser organizado? Hoje, os produtos que usam o Selo de Qualidade IQS são reconhecidos tanto no mercado nacional quanto no mercado internacional, como um produto que vale a pena ser adquirido.


Qualquer artesão brasileiro pode reivindicar o Selo de Qualidade IQS, desde que passe por todo o processo conosco.



Mobilizadores COEP - Considerando a experiência do Mãos de Minas, o que recomendaria para quem pretende tornar o artesanato uma fonte de geração de renda?


R. Primeiro, acreditar no seu potencial (se você mesmo não acredita, como é que os outros vão acreditar?)

Segundo: buscar informações sobre custos, matérias-primas, tecnologia (tem gente que questiona tecnologia no artesanato...Mas acho que podemos sim usar tecnologia para dar formas à criatividade do artesão), tendência de mercado, outros artesãos próximos que podem fazer parcerias na comercialização, etc.


Terceiro: seriedade e responsabilidade. Cumprir os compromissos assumidos e, para isso, só assumir compromissos que realmente pode cumprir.


Quem quiser obter mais informações sobre nosso trabalho pode visitar os sites:


www.maosdeminas.org.br

www.centrocape.org.br

www.bcodopovo.org.br

www.artesanatomineiro.com.br

www.brasilhandicraft.org.br

www.feiranacionaldeartesanato.com.br

taniamachado.wordpress.com



Entrevista concedida à: Marize Chicanel
Edição: Eliane Araújo

Fonte: www.mobilizadores.org.br